quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Controller: Função ou Profissão?


Publicado na Revista Diálogo, Centro Universitário La Salle, Canoas, v.2002, n.3, 2003.

RESUMO
O Estado colocaria um profissional mais capaz no mercado de trabalho se o ensino das profissões, assim como o conteúdo programático das disciplinas que compõem os cursos, fosse estruturado pelos Conselhos de Fiscalização Profissional e pelos sindicatos da profissão, e não pelo Ministério da Educação. A criação de “novas profissões”, na verdade, representa a ênfase em funções cujo exercício as escolas deveriam estar ensinando. A profissão contábil opera no sistema monetário para informar e estudar os elementos patrimoniais. Tudo aquilo que envolver estudo patrimonial constitui campo profissional contábil. As funções do controller, por estar diretamente ligado ao estudo do patrimônio das pessoas, são funções do contador.

PALAVRAS-CHAVE: Controller, exercício profissional da contabilidade.
 
ABSTRACT

If undergraduate courses, their curricula and subjects were planned by Professional Supervision organizations and unions, instead of by the Ministry of Education, public authorities would be offering society better professionals. The creation of “new professions”, in fact, means an emphasis on functions whose accomplishment should be taught at the classrooms. Accounting professionals work inside the monetary system to inform and study property elements. Everything involving property study belongs to accounting. The controller’s functions, since they are directly attached to the study of property, are accounting functions.

KEYWORDS: Controller, accounting profession.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Temos lido em diversas publicações o anúncio do surgimento de uma nova profissão: o controller.

O prof. José Ricardo Maia de Siqueira, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, escreveu um trabalho intitulado “O profissional de controladoria no mercado brasileiro – do surgimento da profissão aos dias atuais”, o qual selecionou anúncios publicados nos jornais do Brasil buscando identificar o perfil do profissional de controladoria. Da mesma forma, o Prof. Dr. Nilton Cano Martin, do Departamento de Contabilidade e Atuaria da FEA-USP escreveu o artigo “Da contabilidade à controladoria: a evolução necessária”. Neste trabalho, o Prof. Nilton demonstra as características que distinguem a controladoria da contabilidade financeira. Diversos são os artigos escritos nesse sentido.
É indiscutível a importância que possui o controller em uma organização. Ele realiza a interligação entre o fato monetário e as informações antes mesmo da realização do processamento contábil através do gerenciamento de controles internos para que os objetivos estabelecidos previamente sejam atingidos. Ao passo que os registros contábeis são o atestado definitivo daquilo que ocorreu, o controller deve antecipar-se a eles e procurar conhecer os resultados antes da contabilização dos fatos.
Não se pode negar o fato de que se trata de uma função com características e objetivos muito nitidamente delimitados. No entanto, é preciso avaliar a posição ocupada pelo exercício da função de controller dentro do espectro de prerrogativas profissionais atribuídas pela legislação aos profissionais que atuam dentro do sistema econômico e financeiro. A identidade do profissional que exerce essa nova função deve ser construída a partir da consciência de que, no Brasil, o exercício das profissões técnicas deve observar a regulamentação legal. Nesse caso, não é correto conceber o exercício da controladoria como uma profissão, mas, antes, como o exercício de uma função contábil. Trata-se de caso equivalente ao exercício das funções de auditor, perito, consultor e analista. São todas funções contidas no campo profissional demarcado pela lei ao profissional contábil.
Em 1981, quando da realização do I Simpósio de Contadores do Brasil, que ocorreu em Gramado (RS), de 24 a 27 de setembro, tivemos a oportunidade de apresentar um trabalho cujo título era “Parecer de auditoria contábil”. O trabalho sugeria ao Conselho Federal de Contabilidade que alterasse a designação de “parecer do auditor”, já que, fora o próprio Conselho Federal que introduzira esta designação inadequada para o parecer de auditoria. Sendo a auditoria contábil uma função privativa dos contadores, o órgão de fiscalização profissional deveria registrar, junto à sociedade, com clareza, que tal atividade é de natureza contábil. Caso se consolidasse o emprego da expressão “auditor”, a sociedade passaria adotar o entendimento de que se tratava de uma nova profissão. Tal não era o caso.
Estamos registrando tais fatos porque temos constatado que quando o profissional executa uma tarefa que valoriza a sua profissão, ele procura identificar-se pela função que está exercendo. É o que ocorre com o auditor, o consultor, o perito, o controller, o cognitor, o analista, o tributarista, etc.

Controller é profissão?
Não. As profissões que requerem conhecimentos técnicos são estabelecidas por lei. São as leis que criam as profissões e estabelecem as condições para o seu exercício. Diz a Constituição Federal, no inciso XVI de seu artigo 22:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XVI – (...) condições para o exercício das profissões
As profissões que atuam no sistema monetário são três: a de contador, a de economista e a de administrador. Cada uma dessas profissões recebeu por lei um elenco de funções correspondente à formação obtida pelos profissionais nos cursos superiores.

Contador
O Decreto-Lei 9.295, de 27.05.1946, que dispõe sobre o exercício da profissão contábil, assim se manifestou a respeito de suas atividades:

Art. 25. São considerados trabalhos técnicos de contabilidade:
a) organização e execução de serviços de contabilidade em geral;
b) escrituração de livros de contabilidade obrigatórios, bem como de todos os necessários no conjunto da organização contábil e levantamento dos respectivos balanços e demonstrações;
c) perícias judiciais ou extrajudiciais, revisão de balanços e de contas em geral, verificação de haveres, revisão permanente ou periódica de escritas, regulações judiciais ou extrajudiciais de avarias grossas ou comuns, assistência aos Conselhos Fiscais das sociedades anônimas e quaisquer outras atribuições de natureza técnica conferidas por lei aos profissionais de contabilidade.
Economista
Quanto aos economistas, o Decreto nº 31.794, de 17.12.1952, que regulou a Lei nº 1.411, de 13.08.1951, a qual dispõe sobre o exercício da economia, assim estabeleceu:
Art. 3º. A atividade profissional privativa do economista exercita-se, liberalmente ou não, por estudos, pesquisas, análises, relatórios, pareceres, perícias, arbitragens, laudos, esquemas ou certificados sobre os assuntos compreendidos no seu campo profissional, inclusive por meio de planejamento, implantação, orientação, supervisão ou assistência dos trabalhos relativos às atividades econômicas ou financeiras, em empreendimentos públicos, privados ou mistos, ou por quaisquer outros meios que objetivem, técnica ou cientificamente, o aumento ou a conservação do rendimento econômico.

Administrador
Para os administradores, por sua vez, o legislador assim se manifestou sobre os afazeres desta categoria, quando aprovou a Lei nº 4.769, de 09.09.1965, alterada pela Lei 7.321, de 13 de junho de 1985:

Art. 2º. A atividade profissional de Técnico de Administração será exercida, como profissão liberal ou não (vetado), mediante:
a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior;
b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos da administração (vetado), como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos;
c) (vetado).

Em suma, pode-se afirmar que:

CONTADOR: Estuda os elementos monetários que compõem o patrimônio das pessoas jurídicas, detectando os problemas e recomendando as soluções.

ECONOMISTA: Estuda e elabora políticas com o objetivo de manter ou aumentar o rendimento econômico das pessoas jurídicas.

ADMINISTRADOR: Estuda os recursos de que dispõem as pessoas jurídicas (capital, natureza e trabalho), para melhor aproveitá-los na solução de seus problemas e assim atingir os objetivos traçados.
O sucesso do sistema de produção de bens e serviços se dará pelo funcionamento harmônico e integrado das profissões de contador, economista e administrador.


Então, quem é o controller?
Controller é o profissional que exerce uma função que integra um trabalho que compõe uma totalidade mais ampla. Ele é uma parte de um todo.
O prof. Nilton Cano Martin demonstrou as características que distinguem a controladoria da contadoria. Assim está demonstrado:


Fonte: MARTIN, 2002, p.25.

Se traçarmos um paralelo entre a análise comparativa estabelecida pelo prof. Nilton e as funções da contabilidade, chegaremos à conclusão de que a contabilidade financeira, na referida análise, corresponde, na verdade, à função técnica da contabilidade. Por sua vez, a controladoria corresponderia a uma parte das funções previstas pela função da ciência contábil.
É de conhecimento geral o fato de que, até 1945, a contabilidade se preocupava em processar os acontecimentos monetários e extrair as informações econômicas, financeiras e patrimoniais.


Fonte: Dagostim, 2000, p.12.

As escolas formavam um profissional:
  • preocupado com um “fazer” bem suas tarefas;
  • voltado para as questões técnicas, preocupado em informar e cumprir corretamente as técnicas de registro;
  • trata-se de uma função importantíssima para a profissão, pois é pelos registros que se cria o alicerce da contabilidade, e pelas informações geradas que se compreendem e se acompanham as mudanças no sistema monetário.
A partir de 1945, com a criação do curso superior de Ciências Contábeis, a contabilidade deixou de ser uma profissão eminentemente técnico-executiva e passou, também, a estudar as “causas e efeitos” decorrentes da aplicação de suas técnicas e dos elementos exteriores ao sistema contábil que provocam alterações nos elementos patrimoniais.

Fonte: Dagostim, 2000, p.13.

  • É o profissional preocupado com os resultados da empresa, com o sucesso do empreendimento.
  • É o profissional participativo, ligado à administração da empresa, tomando parte nas decisões.
  • É o profissional que transmite à sociedade suas opiniões e recomendações para a solução de problemas sociais.
  • É o profissional que acredita nas Ciências Contábeis como um instrumento para a compreensão e enfrentamento dos problemas econômicos e sociais.
  • É o profissional que ultrapassa a esfera dos casos particulares dentro de um sistema econômico e passa a intervir no próprio sistema.
Assim, se realizarmos um exame comparativo dos quadros que esquematizam as fases da profissão contábil com o quadro que compara a contabilidade com a controladoria, nos deparamos com semelhanças marcantes. A primeira fase do estudo da contabilidade, que corresponde à função técnica executiva da elaboração das demonstrações contábeis seria o equivalente ao que figura no quadro do professor Nilton Cano Martin como “contabilidade financeira”. Por outro lado, as características apontadas pelo professor Martin como constituintes da controladoria correspondem à segunda fase do estudo da contabilidade, aquela para cujo exercício os cursos de bacharelado em ciências contábeis estão, por virtude de lei, habilitados a promover. Vejamos os quadros novamente:


Fonte: DAGOSTIM, 2000, p.12-13 e MARTIN, 2002, p.25.


Conclusão


Portanto, fica claro que o controller, na verdade, é como um clone do contador. Como o ensino da contabilidade foi mal concebido, pois deveria formar primeiro o técnico em contabilidade e, na seqüência, o bacharel em ciências contábeis. Isso faria de todo contador também um técnico e o estudo das ciências contábeis estaria voltado para o questionamento das causas e efeitos dos fatores que provocam alterações no patrimônio das pessoas, sua análise, interpretação e projeções, recomendações, implantação de controles, estudo dos efeitos tributários sobre o patrimônio, etc.
Porém, não são os profissionais e suas entidades (sindicatos e conselhos) que estabelecem o que deveria ser ministrado nas escolas para se ter um profissional em condições de desenvolver as suas funções. Esta tarefa foi delegada ao Ministério da Educação, que, através da sua comissão competente, estrutura o ensino e estabelece o tempo de duração dos cursos. O tempo é insuficiente e as disciplinas incompletas para formar um profissional com condições de desenvolver todas as suas obrigações profissionais.
Para suprir estas carências, começaram a surgir novos cursos, dando a idéia de que estariam formando um novo profissional. Na verdade, tais cursos apenas complementam a formação que a faculdade não consegue dar ao profissional para que ele tenha condições de exercer todas as prerrogativas que a lei lhe reservou e levar a cabo a função social da profissão contábil. O controller, portanto, exerce uma das funções do contador, cuja atividade volta-se ao estudo do patrimônio, adotando controles para protege-lo de fatos que poderiam trazer-lhe conseqüências prejudiciais, realizando, com isso, a sua missão, que é o alcance de resultados traçados pela gestão.


Referências bibliográficas
BRASIL. Decreto-Lei n. 9.295, de 27 de maio de 1946. Cria o Conselho Federal de Contabilidade, define as atribuições do Contador e do Técnico em Contabilidade, e dá outras providências.
BRASIL. Lei n. 1.411, de 13 de agosto de 1951. Dispõe sobre a profissão de economista.
BRASIL. Lei n. 4.769, de 09 de setembro de 1965. Dispõe sobre o exercício da profissão de administrador e dá outras providências.
DAGOSTIM, Salézio. Reestruturando o ensino da contabilidade para o século XXI. Porto Alegre: Edição do Autor, 2000.
MARTIN, Nilton Cano. Da contabilidade à controladoria: a evolução necessária. Revista Contabilidade & Finanças. USP, São Paulo, n.28, jan./abr. 2002, p.p 7-28.
SIQUEIRA, José Ricardo Maia de; SOLTELINHO,Wagner. O profissional de controladoria no mercado brasileiro: do surgimento da profissão aos dias atuais. Revista Contabilidade & Finanças. USP, São Paulo, v.16, n.27, set./dez. 2001, p.p 66-77.
 
Autor: Salézio Dagostim

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